Escrever já foi o meu escape. O refúgio que eu procurava quando precisava — desabafar, extravasar, esquecer, habitar um outro estado-espaço.
Gostava de testar com as palavras. Misturar realidade e ficção, imaginar outros desfechos para uma mesma cena, outras conversas para a mesma mesa no mesmo bar. Hoje nem os bares fazem mais parte da minha vida. Nem as conversas, nem os desfechos, nem as cenas que aconteciam e nem as que eu imaginava.
A escrita ainda está aqui, de alguma forma, mas as coisas mudaram.
O fim da pandemia trouxe o tempo e a continuidade necessários pra continuar evoluindo na natação, e a piscina reassumiu esse lugar de refúgio. Tudo fica na borda na única hora do dia em que de fato consigo desligar. É o que o esporte faz pela gente: mais do que nos trazer para o momento presente, nos obriga a estar nele.
E assim, entre uma nadada e outra, os últimos anos têm sido uma lenta troca de pele.
Dos livros, escritos e leituras para os maiôs, óculos, treinos e provas. E decidi me permitir mergulhar sem medo nessa nova pele. Uma que eu nunca tive a chance de experimentar antes. Enquanto a outra, intelectual e estudiosa, é a mesma velha carcaça de sempre.
A gente até pode ter a possibilidade de se reinventar todos os dias — mas quantas vezes de fato fazemos isso? Quantas vezes aceitamos esse convite?
Passei a vida toda sendo uma leitora voraz. Mergulhada nos livros pelo prazer da leitura, sim, mas também por inabilidade e medo de viver fora deles. O que a natação fez por mim não teve terapia, relação, afeto, família, dinheiro, remédio, substância lícita ou ilícita, ritual de autocuidado ou seja lá o que for que tenha chegado sequer perto de conseguir.
São recém dois anos treinando pra competições de águas abertas — ainda nem deixei de engatinhar. Estou lendo o mesmo livro desde janeiro, escrevendo pouco e vivendo pela primeira vez a chance de ser alguém que talvez eu sempre tenha desejado ser, mas não sabia que podia.
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Outra troca de pele acontece na esfera profissional. Depois de quase cinco anos de freelas e consultoria independente, assumi uma posição de coordenação em uma agência de pesquisa e fomento social. Eu, chefe?
O trabalho (ou a falta dele), para o bem e para o mal, tem o poder de influenciar muito mais esferas da nossa vida do que meramente as funções que desempenhamos em nossas áreas. O primeiro trimestre de 2024 não foi fácil por aqui. Não à toa, não conseguia nem pensar em retomar essa newsletter. Em muitos sentidos, eu só continuei, como se nada estivesse fora do lugar.
Ainda não sei o que esperar de mim enquanto coordenadora. Estranhamente, também não tenho exatamente dúvidas de que sei o que fazer — já aprendi muito sobre como não fazer. Além da confiança em mim mesma, se tem um ensinamento que tanto a natação quanto os anos de profissional autônoma me trouxeram é estar aberta aos novos desafios. Ou como diz meu treinador: explorar as coisas com curiosidade. E é cheia de curiosidade e vontade que entrei nessa nova etapa.
Retomadas
Ainda não decidi como seguir com a newsletter.
Não sei se faz sentido manter o mesmo formato criado em uma ferramenta que não existe mais e cujo fim quase me fez parar de escrever. Também não sei o quanto ainda estou feliz com o nome — ou o quanto ele ainda se aplica. O que mais me move a escrever hoje são os treinos, a natação, a água. Tenho vontade de falar a respeito de uma forma que o instagram não comporta mais — exatamente o mesmo desejo que me levou a começar a newsletter anos atras. Talvez esteja aí o caminho pra uma nova fase?
Estudando possibilidades e testando o espaço novo.
E uma observação: trouxe pra cá a última lista de contatos que exportei da Tinyletter. Se você veio junto por engano, sinta-se à vontade para se descadastrar. E, se você gosta do que escrevo, fico feliz se continuar por aqui e compartilhar com outras pessoas que possam gostar também :)
Ventos de abril
~ O problema de ficar um tempo sem escrever (um dos*)
oi! bom te ver por aqui. na verdade, bom te ver escrevendo de novo! imagino que a tinyletter deveria ser muito a casa da tua newsletter, mas tenho muita vontade de continuar te lendo e sinceramente tenho muito interesse nos seus treinos e experiências em águas abertas. adoraria acompanhar mais sobre isso ☺️
A gente tem dificuldade de aceitar mudanças né, principalmente as nossas. Gostei da sua reflexão, me gerou uma sensação de alívio... Uma vontadezinha de começar a aceitar mais as minhas trocas de pele também :)