Perguntas
Quantas pessoas dizem as coisas pra te ajudar?
Quantas pessoas dizem as coisas pra realmente te ajudar?
Gosto dessa pergunta porque ela não tem uma resposta pronta. Uma resposta única ou fácil. Cabe um mundo de possibilidades dentro dela.
É uma pergunta aberta. Fica soando, reverberando. Uma pergunta que volta.
Quando meu agora ex-treinador me fez essa pergunta pela primeira vez, encarei a partir da perspectiva mais óbvia: com um olhar direcionado para fora, pensando nas pessoas com quem convivo e no que elas me dizem, nas formas pelas quais me ajudam ou não.
Mas essa não é a única forma de encarar essa pergunta.
Nos últimos tempos, comecei a refletir sobre ela pelo ângulo oposto: com um olhar para dentro.
Que tipo de ajuda estou “pedindo”, voluntária ou involuntariamente, para as pessoas ao meu redor. Que tipo de ajuda ou “ajuda”, solicitadas ou não, eu deixo chegar até mim.
É uma pergunta muito boa.
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Nunca esteve tão nítida pra mim a zona chamada de “desconforto conhecido”. Aquilo que já não funciona tão bem, que passou a trazer mais incômodo e sofrimento do que alegria ou bons resultados, mas a gente não muda porque... Já conhece, já sabe o que esperar.
O que se torna previsível, por mais que não seja satisfatório, traz a ilusão de controle. Padrões e sequências lógicas funcionam dessa forma. Nada de novo pode sair dali.
Talvez seja mais fácil identificar padrões externos do que internos, e sempre estamos sujeitos a errar, mas prática não me falta.
Sou uma pessoa observadora.
Noto detalhes na forma como as pessoas falam, se portam e nas palavras que escolhem. Presto atenção aos comentários, à maneira como chegam e saem dos ambientes, à forma como falam com amigos e outras pessoas no entorno. Percebo os gestos e expressões, os trejeitos, posturas, olhares. As piadas e os silêncios, as flutuações na voz. A forma como ocupam os espaços.
Claro, às vezes me engano, mas no geral essas leituras costumam ser bastante certeiras. Principalmente quando existe uma convivência continuada.
E eu não perdi essa habilidade. Nesse quesito, não houve nenhum apagão.
Eu vi os sinais. Eu percebi os possíveis alertas. E relevei, ignorei, engoli e passei por cima de cada um deles.
Por quê?
Essa também é uma pergunta muito boa. Da forma mais amarga possível.
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“Te ouvindo falar, me parece que a natação ocupa um lugar de salvação pra ti, é isso? Não só pelos efeitos da atividade física em si, mas como algo que também molda tuas relações, a forma como tu te sente em relação à tua vida. Algo que foi realmente transformador na tua trajetória.”
Essa foi a terapeuta, me ouvindo falar sobre minha relação com a natação.
“A natação é meu lugar de força”, foi outra expressão que usei, evocando Audre Lorde.
Salvação. Força.
Quando tudo começou a desabar, eu só sabia que precisava continuar nadando. Precisava continuar indo.
Essa é uma certeza que hoje transcende qualquer entendimento lógico ou racional. Um ímpeto já arraigado nas entranhas. Corpo e mente fazendo o que sabem que precisa ser feito.
De onde vem essa certeza, esse ímpeto?
Outra boa pergunta.
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Ciclos começam e terminam. Nem sempre da melhor forma, mas sempre pra abrir espaço a algo novo.
Durante a transição de treinadores, eu não tinha expectativa nenhuma — o único objetivo era não interromper os treinos. Mesmo assim, com menos de um mês seguindo a nova planilha, os treinos começaram a encaixar bem e acabei fazendo meus melhores tempos em várias distâncias. Comecei a fazer sem grandes mistérios o que até então era extremamente difícil ou me deixava descrente da possibilidade de conseguir.
Não é coincidência.
Por mais que na teoria eu já soubesse, agora tenho sentido na prática como treinar bem ou “treinar certo” não depende só de técnica, fortalecimento, tipos de estímulos, dosagem de intensidades e ritmos, número de sessões semanais. Também tem a ver com a atmosfera em que se treina, com o tom das vozes que soam na nossa cabeça quando estamos ali vendo azulejos e lutando pra respirar.
Não quer dizer que o que veio antes foi errado, perda de tempo, em vão. Ao contrário. Se estou aqui hoje, devo tudo ao caminho que percorri — para o bem e para o mal.
À medida que o tempo passa, o que me interessa levar de cada ciclo é justamente o que aprendi com eles. E aprendi muito, nunca vou colocar isso em questão.
Mas talvez a lição mais valiosa eu já intuísse desde o começo: o poder de nadar e treinar com felicidade. Fica o lembrete pra nunca mais ignorar o que a essa altura eu já não intuo, mas sei.
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Janelas
~ Munike Ávila: língua também é memória
~ Betina Neves: exóticas e invasoras
~ Mariana Moro escreveu sobre as diferenças de ser lida por quem só tem acesso a nós a partir da internet e da escrita e por quem nos conhece “na vida real”, uma reflexão recorrente por aqui também:
Penso nas outras pessoas que me conhecem em outras profundidades, que também talvez o leiam, que têm aqui uma chave de acesso a uma janela de vulnerabilidade que eu talvez não escolheria oferecer no mundo real. Por um breve momento, me sinto consciente demais das minhas próprias palavras. É mais fácil ser lida por quem me conhece apenas sob a lente que ofereço na escrita.
~ Em novembro, fiz uma aula de surf. Me lembrou da importância de fazer coisas simplesmente para… brincar.