Disciplina
Sempre associei disciplina a algo militaresco. Essencialmente, a algo ruim: sofrimento, obrigação, punição.
Acordar cedo, cumprir horários, seguir regras, viver com restrições e proibições. E receber punições caso não agisse de acordo. Disciplinado, pra mim, era quem seguia esse script.
Também aprendi muito cedo que o mundo dos esportes não tinha uma porta aberta pra mim — e passei a rejeitá-lo.
Correr pra lá e pra cá atrás de uma bola? Treinar todos os dias? Acordar cedo pra ir à academia? Deixar de beber ou sair com amigos por causa do treino? Por que alguém se sujeitaria a isso?
A ideia de levar uma vida tão regrada ou abrir mão de supostos prazeres em função de algo que, no meu entendimento, só causava sofrimento parecia absurda. Porque foi dessa forma que a atividade física me foi apresentada desde cedo também: sofrimento e punição.
Assim como a disciplina que ela exigia.
Não por acaso, portanto, a natação, que eu já (ou ainda) fazia quando criança, não tinha esse status. A natação, naquele tempo, nunca foi uma atividade física. Porque eu me divertia.
A vida precisou avançar quase duas décadas e dar muitas voltas até que eu encontrasse o caminho de volta e enfim pudesse entender o que, na verdade, é disciplina. E que atividade física, embora nem sempre seja sinônimo de diversão, está muito mais próxima disso do que eu imaginava.
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Me matriculei na natação em janeiro de 2018. Paguei um plano de três meses, três vezes por semana. No começo de abril, antes mesmo de renovar, já tinha parado de fumar. Na renovação, passei pra um plano anual de cinco vezes por semana. E, de lá pra cá, com exceção dos períodos de recesso no fim do ano, conto nos dedos os dias que faltei: uma formatura, duas ou três gripes um pouco mais fortes, a morte do meu gatinho.
Faça chuva ou faça sol, frio ou calor, estando disposta ou cansada, triste ou feliz, querendo matar alguém ou só comer e dormir — não importa. Eu vou. Chego depois nas jantas e aniversários, às vezes não vou, outras cancelo, evito convites nesses horários. Faço todos os malabarismos possíveis e necessários pra não perder um treino.
Se isso não é disciplina, não sei o que é.
Não sei se meus amigos entendem. Eu mesma nem sempre entendo de onde vem essa “rigidez” — será que não dava mesmo pra faltar um ou outro, só de vez em quando?
Ao mesmo tempo, nunca encarei dessa forma, como rigidez. Pra mim, sempre foi mais no sentido de um compromisso — comigo mesma, com os meus objetivos, com meus treinadores. A dedicação necessária para fazer bem, mas, mais do que isso, para poder me sentir bem.
Eu demorei a fazer as pazes com a ideia de ser uma pessoa disciplinada.
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Foi meu professor de funcional quem colocou esse novo entendimento em palavras mais simples:
“Não é confortável. E nem é sobre ter vontade. Treinar em condições difíceis é desenvolver através da disciplina um senso de dever consigo mesmo, de autocuidado, enfrentando o que for necessário para manter o corpo e a mente saudáveis.”
Não se trata de obrigação. Menos ainda de sofrimento ou punição, como eu passei tanto tempo acreditando.
Ouso dizer que a disciplina, na verdade, é uma manifestação de amor próprio. Minha dedicação ao esporte que eu amo, afinal, também é uma dedicação a mim. À minha saúde, ao meu bem-estar, ao que me faz feliz.
Como eu poderia abrir mão disso agora se abrir mão disso foi justamente o que fiz sem saber por mais de 20 anos?
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Quando conheci pessoalmente meu novo treinador, inclusive, essa foi a primeira coisa que ele disse, no exato momento em que me viu: “Essa é disciplinada!”
E, dessa vez, eu sorri e aceitei. Sou mesmo.
Não ficar parado
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Que saudades estava dos teus textos! Excelente, como sempre :)
Quando jovem, também pensava como você. Meu irmão treinava futebol e perdia vários eventos por conta disso. Pra ele era algo muito importante, mesmo não sendo nada profissional. Hoje em dia, concordo que ser disciplinado tem mais a ver com ter cuidado consigo mesmo do que ser rígido. Já tô contando os dias pra voltar as aulas de Yoga, que parei por conta do novo bebê (faltam 20 dias pra ele começar a comer e eu ter uma horinha livre hahaha).
Obrigada pela indicação!