O que notei foi que ficamos monossilábicos.
"Bem, na medida do possível."
"Em segurança."
"Levando."
Nós, em Porto Alegre.
Quem está fora, da cidade ou do estado, busca relatos, desabafos, notícias da situação. Quem está fora quer palavras.
Mas a gente não tem.
Quem ajuda nos resgates ou nos abrigos, quem faz doações, quem continua trabalhando, quem não tem mais onde morar. Minha impressão é de que perdemos as palavras.
Como articular uma tragédia dessa proporção em palavras? Como expressar uma dor tão massiva em palavras?
As próprias palavras que temos usado — tragédia, catástrofe, desastre, calamidade — parecem todas pequenas, insuficientes.
Eu não consigo falar de mim e do meu sofrimento enquanto tantas pessoas simplesmente não têm pra onde voltar.
E voltar quando?
Não temos mais palavras e não temos mais horizonte.
Talvez seja esse o sintoma da ausência de futuro: a ausência de palavras.
*
Foi a primeira vez que senti necessidade de ter um carro.
Não pra sair da cidade, mas pra poder ajudar. Em casa, sozinha, vendo minha cidade colapsar e me sentindo completamente inútil e impotente — eu não aguentei. Saí pra pelo menos deixar de consumir.
Minha cidade.
Eu não sou de Porto Alegre, mas me tornei de Porto Alegre. E nunca senti a cidade tão minha quanto nesses dias.
Fiz as malas com o sentimento de estar traindo e abandonando a cidade que me acolheu. Doeu sair, dói estar longe, dói não saber quando voltar.
Dói a dor do meu estado, da minha gente.
Por enquanto, é uma ferida aberta. Em algum momento, com sorte, teremos uma cicatriz coletiva para levar pela vida.
*
Desde que me mudei pra Porto Alegre, aos 18 anos, em 2009, minha vó me ligava sempre que chovia. Perguntava se onde eu moro não tinha acontecido nenhum estrago, tinha medo de que algo pudesse me acontecer.
Até hoje, eu uso o jogo de panelas que ela me deu na mudança. E chovia forte em Porto Alegre no dia em que recebi, de longe, a notícia de que ela tinha morrido, onze anos atrás.
Não recebi mais ligações nos dias de chuva, mas é a primeira vez que fico feliz por isso. Ela não precisava sentir essa dor também.
No auge do meu desespero, em uma das madrugadas em que acordei com mais chuva, foi pra ela que pedi: ajuda a gente, vó.
*
Talvez seja impossível ter outras palavras além dessas. Nos ajudem.
#AjudaRS
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~ Livraria Taverna: livrariataverna@gmail.com (pix)
~ Laura Larre Borges, amiga influencer incansável arrecadando, comprando e distribuindo doações desde o primeiro dia: laura.larreborges@gmail.com (pix)
~ Vale do Taquari: sosvaledotaquari.com.br
~ O fatídico pix do governo: 92.958.800/0001-38 (a princípio, a última notícia é de que decidiram antecipar a ajuda e doar R$ 2 mil por família)
~ Compartilhando, divulgando, falando a respeito. Especialmente agora, quando a atenção vai começar a diminuir. Porque as pessoas vão continuar precisando de ajuda.
Alguns @s por onde acompanhar:
~ Matheus Gomes: deputado estadual (PSOL)
~ Laura Sito: deputada estadual (PT)
~ Karen Santos: vereadora (PSOL)
~ Daiana Santos: deputada federal (PCdoB)
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~ GZH
um abraço enorme em você <3